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Psicólogos clínicos, psiquiatras, psicanalistas e psicoterapeutas

Psicólogo Clínico | Psiquiatra | Psicanalista | Psicoterapeuta

Não é possível pensar a Psicologia sem a componente aplicada, isto é, sem intervenção. Hoje podemos dizer que não há área de atividade em que a Psicologia não esteja presente: escolas, empresas, hospitais, fábricas, tribunais, … São vários os técnicos que intervêm ao nível da saúde mental, sendo comum a confusão entre psicólogos, psiquiatras, neurologistas, psicoterapeutas e psicanalistas. Contudo, importa fazer uma distinção entre os diferentes técnicos de saúde mental, segundo alguns parâmetros: formação académica, objetivos, práticas e técnicas utilizadas na intervenção.  


O PSICÓLOGO CLÍNICO

O psicólogo clínico não tem um domínio de intervenção específico, nem recorre a um modelo único de abordagem, nem a um quadro teórico exclusivo ou a técnicas estandardizadas. O que carateriza a psicologia, é uma abordagem e uma atitude particulares, em que a pessoa é encarada como um ser singular. Daí a diversidade ser uma das caraterísticas desta área da psicologia aplicada, não só ao nível das opções como das técnicas utilizadas.

São várias as áreas de intervenção em que o psicólogo lida com os problemas humanos suscitados pelas mais diversas circunstâncias. Assim, cabe ao psicólogo clínico:

- Compreender e apoiar o indivíduo no processo de lidar e de se ajustar a situações aversivas, isto é, acontecimentos da vida que causam sofrimento: o desemprego, o divórcio, a vivência longa de situações de stress motivadas pelas relações familiares ou profissionais;

- Apoiar a pessoa na elaboração de estratégias para fazer face à situação de crise, que se pode centrar num problema (procurando modificar a situação), ou procurar tornar a situação mais suportável, modificando a maneira de encarar o problema;

- Desenvolver atividades de diagnóstico e de intervenção terapêutica em centros que prestem apoio a situações de risco, como toxicodependência, suicídio juvenil, violência, vítimas de abuso, etc;

- Intervir em situações em que outros técnicos de saúde considerem poder existir indícios de perturbações de caráter psicológico; quanto mais precoce for o diagnóstico, mais eficaz será a intervenção terapêutica.

- Organizar programas de reabilitação especificamente dirigidos a pessoas que sofrem de doenças crónicas ou que, devido a doenças, perturbações mentais ou outras, apresentem dificuldades de adaptação.

Estas atividades, e outras, são desenvolvidas em vários contextos. O psicólogo clínico intervém em hospitais, centros de saúde, clínicas, estabelecimentos prisionais, escolas, instituições de assistência social, centros de reeducação e readaptação, etc. Os psicólogos clínicos exercem também profissão liberal em consultórios e em clínicas. Integram, frequentemente, equipas interdisciplinares de apoio.


O PSIQUIATRA

A Psiquiatria, que integrava a Neurologia até ao início do século XX, estuda, diagnostica e trata perturbações de caráter psicológico, bem como doenças mentais. Recordemos que os psiquiatras são licenciados em Medicina e se especializam em Psiquiatria ou em Pedopsiquiatria, estando o exercício da sua posição enquadrado na Ordem dos Médicos. Os psiquiatras privilegiam, frequentemente, uma terapia fisiológica, com recurso a medicamentos. Podem também recorrer a psicoterapias aproximando-se, portanto, dos psicólogos clínicos.

O texto que se segue procura distinguir a abordagem dos psiquiatras a uma perturbação psicológica da abordagem de um psicólogo clínico. Como veremos, muitas vezes, o tratamento de uma perturbação passa pela intervenção complementar de um psiquiatra e de um psicólogo.

Do lado dos psicólogos, esta distinção é construída sobre o modelo da oposição significante; o trabalho dos psiquiatras situar-se-ia do lado da objetivação dos distúrbios, o seu do lado da subjetivação do individuo: "O nosso trabalho é tentar subjetivar um pouco o outro, quer seja psicótico ou não." Para os psicólogos, o ato psicológico não pode rebater-se sobre o ato médico. Com efeito, fazendo a psicologia clínica parte das ciências humanas e não das ciências médicas, o objeto da sua intervenção ultrapassa a distinção normal/patológico bem como as noções de sintoma e de doença, objetos tradicionais da Psiquiatria. É isto que permite o trabalho em complementaridade das duas profissões. Por um lado, a prática médica apoia-se num corpo de conhecimentos, uma objetivação dos distúrbios e na sua classificação, para construir o diagnóstico e conduzir o tratamento: "O objetivo do médico é o sintoma, fazer desaparecer o sintoma, reduzir o delírio." Por outro lado, a prática do psicólogo enraíza-se, antes de mais, na relação que se instaura entre ele e a pessoa que o vem consultar. Por isso, a ação do psicólogo funda-se não numa prescrição médica, mas num encontro intersubjetivo com o paciente, a pedido deste, em busca de uma escuta atenta que lhe permita uma elaboração pessoal, um trabalho sobre si. O que funda, ao mesmo tempo, o limite da ação do psicólogo: se a pessoa se situa passivamente como objeto de cuidado, não há trabalho possível, mesmo existindo um sofrimento. Donde uma nova clivagem entre o paciente potencialmente passivo face ao médico, que objetiva os seus distúrbios, e o paciente necessariamente ativo face ao psicólogo.”

Golse, A., "Psychologues et psychiatres: je t'aime, moi non plus", Sciences Humaines, n.° 147, 2004

 

O PSICANALISTA

Os psicanalistas têm formação em Medicina, em Psicologia, ou podem ter outro tipo de formação de base. A especialização passa por uma formação específica, que implica uma terapia pessoal longa. No caso português, é a Sociedade Portuguesa de Psicanálise que certifica essa formação. Para além desta instituição, existe ainda a Associação Portuguesa de Psicoterapia Psicanalítica da Infância e do Jovem.

A abordagem dos psicanalistas funda-se nas conceções de Freud, e recorre a técnicas do método psicanalítico (associação livre de ideias, interpretação livre dos sonhos e dos atos falhados, processo de transferência).

O texto que se segue é um extrato de uma entrevista com Roger Perron, psicanalista e autor de vários livros sobre psicanálise e sobre psicologia da criança. Aborda alguns tipos de mal-estar que, na sua opinião, cabe aos psicanalistas tratar.

Certos médicos generalistas sabem muito bem que muitas pessoas que os consultam não estão efetivamente doentes. Elas sentem-se “mal na sua pele". Deprimem e não conseguem dormir; falam dos seus problemas conjugais ou de trabalho e pedem que os ouçam, que os ajudem a ultrapassar um momento difícil da sua vida. O psicanalista pode compreender este apelo quando existe um sofrimento, um mal-estar que não tem origem explicitamente numa patologia, no corpo. Reflete-se, muitas vezes, na forma de uma sensação de sofrimento íntimo, de um sentimento de vida estragada. As pessoas sentem-se limitadas, têm o sentimento de estarem "inibidas": no seu trabalho, na sua vida amorosa ou na família. Sentem-se como prisioneiras, fechadas num espaço demasiado estreito. Vê-se, muitas vezes, pessoas com 40-45 anos que dizem: "Eu não quero acabar a minha vida assim". Às vezes, os pacientes procuram-nos porque vivem uma série sucessiva de fracassos. Não conseguem, por exemplo, constituir uma relação amorosa duradoura. Depois de uma, duas, três ou quatro relações amorosas que se desenrolam segundo o mesmo esquema e terminam mal, começam a pôr a questão se o problema não estará, pelo menos em parte, neles e querem compreender porquê

Perron, R. Sciences Humaines, n.° 113, 2001

 

Muitos autores não consideram a psicanálise uma terapia. Por exemplo, o psicanalista Jacques Lacan afirmava claramente que a psicanálise não era uma terapia. Deveria ser considerada uma experiência pessoal e que a cura de alguma perturbação ou desequilíbrio vinha por acréscimo. Outros autores acham esta afirmação excessiva: consideram que a psicanálise não é, em termos teóricos, uma psicoterapia, mas que tem, de facto, efeitos terapêuticos.

Para além dos psicanalistas, também psicólogos clínicos e psiquiatras recorrem frequentemente a abordagens de inspiração psicanalítica, que combinam com outras práticas terapêuticas.

 

O PSICOTERAPEUTA

As psicoterapias constituem uma prática que surge da convergência da Medicina, da Psiquiatria e da Psicologia: na história das psicoterapias constam como fundadores médicos, psiquiatras e psicólogos. Contudo, dado que a psicoterapia visa atuar sobre o comportamento e sobre o psiquismo, através de abordagens essencialmente psíquicas, está mais próxima da Psicologia.

No início do estabelecimento das psicoterapias, os diferentes técnicos eram procurados por pessoas que apresentavam problemas no contacto com a realidade e que se manifestavam por ansiedade, fobias, comportamentos obsessivos, hipocondria, problemas orgânicos que tinham origem em problemas psicológicos, etc. Atualmente, os psicoterapeutas são procurados por pessoas com conflitos conjugais, nas relações pais-filhos, no trabalho, enfim, no que genericamente se pode chamar problemas da vida. E, portanto, cada vez maior a aceitação e a influência das psicoterapias como forma de compreender e ajudar a atenuar o sofrimento humano.

Os requisitos para a prática da psicoterapia não estão bem estabelecidos, o que, infelizmente, deixa terreno livre para o charlatanismo, que, recentemente, ganhou nova saliência em Portugal com a profusão de pessoas sem preparação científica, supervisão ou prática adequadas, que conduzem sessões de terapia regressiva, hipnose, relaxamento, visualização criativa, técnicas respiratórias e assim por diante, muitas vezes misturadas com tarot, astrologia, quirologia, etc.

Rodrigues, V., op. Cit., p. 187

 

A consulta das páginas de publicidade de qualquer jornal diário reflete esta realidade: são dezenas os anúncios de "terapeutas" que prometem resolver todos os problemas psicológicos e físicos associados. Estas práticas, entre outros perigos, podem levar à manipulação psicológica. Em Portugal, não são só os psicólogos que podem desenvolver atividade na área da psicoterapia: médicos, enfermeiros, técnicos de serviço social ou outros podem desenvolver uma formação especializada em sociedades científicas.

 

A formação de psicoterapeutas no nosso pais é parcialmente feita em Universidades e Institutos - sobretudo para a Psicologia Clínica ou para introduções gerais à prática psicoterapêutica. Entretanto, poderemos dizer que a preparação mais aprofundada tem, geralmente, lugar em instalações privadas sob os auspícios de diversas associações de Psicoterapia.

[…] Podemos dizer que acompanhamos o resto da Europa em relação à oferta de práticas psicoterapêuticas, pois existe um bom número de associações de psicoterapeutas que, inclusivamente, fornecem treino em Psicoterapia a profissionais de saúde interessados (entre os quais predominam os médicos e os psicólogos). Algumas delas estão filiadas em grandes organizações psicoterapêuticas europeias e obedecem a padrões de qualidade bastante exigentes, que incluem diversos anos de formação teórica e prática, prática supervisionada, e, em muitos casos, a sujeição do candidato a um período mais ou menos prolongado de terapia individual e/ou em grupo. E, sem dúvida, este o caso para a Psicanálise, Grupoanálise, Terapia Cognitivo-Comportamental, Arte-terapia, Psicoterapia Centrada na Pessoa, Terapia Familiar e assim por diante.

Rodrigues, V., op.cit., pp. 186-187

 





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