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Mal-estar na Civilização


A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter as suas manifestações sob o controle de formações psíquicas reactivas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relações amorosas inibidas na sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo facto de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. (...) Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem primitivo achava-se numa situação melhor, sem conhecer restrições aos seus instintos. Em contrapartida, as suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de tempo, eram muito ténues. O homem civilizado trocou uma parcela das suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança.

Sigmund Freud, Mal-estar na Civilização, Imago


Concorde-se ou não com a teoria psicanalítica, é inegável o impacto que ela teve nas concepções filosóficas e científicas que marcaram o século XX. Bastaria pensar por um momento na ideia de que o Eu já não é dono e senhor na sua própria casa, para "deitar por terra" dois mil anos de um certo tipo de reflexão filosófica. Bem vistas as coisas, Freud está para a filosofia (e para a psicologia) numa posição algo semelhante à de Darwin nas ciências biológicas. E, olhando atentamente para o nosso mundo actual, parece inegável, a vários níveis, que as intuições de Freud se revelam acertadas, senão mesmo absolutamente certas.


Dinis Pereira

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