António Rosa Damásio nasceu a 25 de fevereiro de 1944 em Lisboa. (1)
A sua formação decorreu na Universidade de Lisboa, licenciando-se e doutorando-se em Neurologia. Para estender o alcance das suas pesquisas, emigra para os Estados Unidos e afirma-se como investigador do Centro de Pesquisas da Afasia de Boston, tendo depois integrado na Universidade de Iowa no Departamento de Neurologia do Comportamento e Neurociência Cognitiva.
No seu livro “O Erro de Descartes”(2), Damáliso ilustra o fato de que as emoções são indispensáveis para a nossa vida racional. Neste ponto, o autor aponta alguns “erros” de Descartes – como a separação entre a mente e o corpo. Entende-se, portanto, o título do livro. Pois a mente é fruto do cérebro contrapondo o dualismo cartesiano no qual a razão é independente do corpo e das emoções, e não ocupa lugar ou espaço.
O dualismo cartesiano tem influênciado o pensamento filosófico e a pesquisa científica, em particular a inteligência artificial. Segundo Damásio, a concepção de que a mente (entendida como processos cerebrais) é algo separado ou independente do corpo tem levado alguns pesquisadores a suporem que serão capazes de compreender o que somos biologicamente através da simulação de processos biológicos com computadores que só possuem uma “mente”. Nesta abordagem não há espaço para as emoções e para a apreciação do estado do corpo e da mente durante as emoções. Apreciação esta a que Damásio se refere como os sentimentos.
E o que são os sentimentos?
Os sentimentos são voltados para o nosso interior, são privados -de natureza cognitiva. Não necessitam de um estímulo contextual para se manifestar, sofrendo assim, de uma interpretação subjetiva de cada situação.
Não é próprio aos sentimentos termos consciência dele. Por isso, Damásio considera três fases:
1. O estado de emoção – a emoção pode ser desencadeada e experimentada de forma inconsciente.
2. O estado de sentimento – pode ser representado de forma não consciente.
3. O estado de sentimento tornado consciente – conhecido pelo organismo que experimenta a emoção e o sentimento.
E as emoções? As emoções são processos desencadeados por acontecimentos, que são objeto de uma avaliação cognitiva nem sempre consciente. A emoção é uma experiência subjetiva que pode ser acompanhada por reações orgânicas (como por exemplo pela modificação do ritmo cardíaco), movimentos e expressões vocais, que podem traduzir-se uma tendência para a ação, como por exemplo, a fuga, no caso do medo.
Através da análise sistemática de casos clínicos e da experimentação neuropsicológica, António mostra-nos como as emoções são indispensáveis na gênese e na expressão do comportamento. De acordo com Damásio, a interrelação entre as emoções e a razão remontam à história evolutiva dos seres vivos. Durante a evolução natural o estabelecimento de respostas comportamentais adaptativas são moldadas por processos emocionais e a escolha de respostas em determinadas situações reflete o uso da razão.
A partir da observação do caso de Phineas Gage, o autor sugere o déficit no comportamento emocional como causa da dificuldade em tomar decisões racionais. Segundo ele, a razão, por si só, não sabe avaliar os custos e os benefícios para uma tomada de decisão.
Neste ponto são feitos questionamentos sobre a influência das emoções na tomada de decisões. Será que no momento de decidir é a emoção que determina a resposta?
Com esta questão levantada, Damásio passa a apresentar uma série de argumentos sobre a formação e o processamento de imagens no cérebro, e defende que o nosso raciocínio é feito de sequências imagens ordenadas. Esses dados apontam para uma íntima relação entre as estruturas cerebrais envolvidas na gênese e na expressão das emoções e áreas do córtex cerebral ligadas à tomada de decisões (ex. córtex frontal).
A partir deste ponto Damásio introduz a hipótese do marcador somático, um dos objetivos centrais do livro.
Em suma, a hipótese sugere que os marcadores somáticos contribuem normalmente para limitar o espaço de decisão e torná-lo apto para análises lógicas e de custo-benefício. Em situações em que exista uma acentuada incerteza relativamente às consequências e em que a decisão pode ser influenciada por uma experiência individual prévia, tais limitações permitem ao organismo decidir eficientemente num curto intervalo de tempo. Na ausência do marcador somático, opções e consequências tornam-se indiferenciadas e a lógica precisa de operar sobre demasiados pares de opções/consequências e, por conseguinte, mais lentamente.
Esta hipótese é uma elaboração neuropsicológica da teoria da emoção de William James. Segundo Damásio, existem emoções primárias e secundárias e sentimentos associados às emoções:
As emoções primárias São as que aparecem desde muito cedo, na infância. São, por isso, inatas, úteis para uma reação rápida quando surgem determinados estímulos do meio (interno ou externo).
Já as emoções secundárias formam-se constituindo-se sobre as emoções inicias e seriam as que se experimentam mais tarde. Daí António Damásio chamar-lhes emoções adultas. Pois estas implicam uma avaliação cognitiva das situações e o recurso a aprendizagens feitas.
Apesar desta interrelação, essas duas formas de emoção são distintas. Isto é evidenciado, por exemplo, pelo fato de um sorriso espontâneo ser diferente daquele intencional.
Os sentimentos seriam a experiência de tais mudanças associadas às imagens mentais da situação. Desta forma, a emoção esta intimamente associada à memória; ou seja, ao contexto em que é adquirida na experiência individual.
Existem evidências que mostram uma sobreposição dos substratos neurais subjacentes à memória e à emoção. Esta hipótese tem sido sustentada por experiencias conduzidos por Damásio e colaboradores, que demonstram que, os pacientes com lesões do córtex frontal apresentam correlatos neurovegetativos quando experenciam uma emoção primária.
Por conseguinte, pessoas com défices na integração das funções subjacentes ao córtex frontal e ao sistema límbico são incapazes de emoções secundárias, ou de aprendizagem emocional.
Pode-se afirmar que para uma vida “normal” não é suficiente reagir aos desafios do meio ambiente com emoções primárias. Da mesma forma, é contraprodutivo separar a razão da emoção. As emoções são uma parte indispensável da nossa vida racional.
Assim, ao contrário do que propõe Descartes e mesmo Kant, as emoções permitem o equilíbrio das nossas decisões. Como o próprio Damásio sugere, o único e verdadeiro Kantiano é um paciente com lesão no córtex pré-frontal.
(1) António Damásio. |
(2) Livro: "O Erro de Descartes" |
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